Compaixão: Compartilhar a dor, sofrimento, fadigas e medos do outro e redescobrir com ele sua preciosidade e valor como força de enfrentamento e superação de injustiças sociais.
Etimologicamente a palavra compaixão apresenta dupla origem semântica: por um lado, procede do latim Cum-Passio e faria alusão ao sofrimento compartilhado com outrem. Ao mesmo tempo, o verbo latino Passio procede do termo grego Pathos que faz referência ao sentimento entendido como drama interior. Deste modo, Cum-Passio seria acompanhar o outro em seu drama interior. Parece claro, pois, que a compaixão põe o perigo de se ficar fechado em um sentimento passivo que não conduz a nada,
Diferentes filósofos falaram sobre a compaixão. Aristóteles definiu a compaixão como “a dor causada pela visão de algum mal destrutivo ou penoso, que atinge alguém que não mereça e que pode vir a atingir-nos ou a alguém que nos seja caro”. Essa definição é repetida por Hobbes, Descartes, Spínoza. Segundo Adam Smith, a compaixão é um caso típico da simpatia que constitui a estrutura de todos os sentimentos morais.
Para Schopenhauer, a compaixão é a própria essência do amor e da solidariedade entre os homens, porque amor e solidariedade explicam-se somente a partir do caráter essencialmente doloroso da vida. Nesta mesma linha de reflexão, segundo Leonardo Boff, pode-se dizer que o ser humano é essencialmente um “ser de compaixão”, ou seja, a compaixão é um elemento constitutivo do ser humano, negá-la ou negligenciá-la equivale a negar ou negligenciar algo que dá sentido à vida do homem.
A compaixão se apresenta como um desencadeador de virtudes humanas, com características divinas. É a mais humana de todas as virtudes humanas. Tomás de Aquino a considerava a mais humana e mais elevada de todas as virtudes porque não somente abre a pessoa para a outra, mas porque a abre também para a mais fraca e mais necessitada de ajuda. Neste sentido, constitui uma característica essencial da divindade.
O Papa Francisco ao falar da compaixão, enfatiza que não se trata de um sentimento de piedade, mas um entrar no sofrimento alheio, tomando parte desse sofrimento. A compaixão levada a cabo, coloca o sofrimento do outro acima dos próprios interesses, superando qualquer forma de egoísmo e seguindo a lógica da partilha. O olhar do compadecido, mostra-se consciente de que poderia ser ele no lugar do outro, ou então alguém de sua estima, e, portanto, sofre junto, mas não destruindo a si mesmo nesse processo, pois se ama e ama o outro, enxergando neste o seu próprio ser, já que para ele não existe o espaço, ou o tempo, ou matéria qualquer para a separação. A compaixão parece superar as leis da física e da matemática: nela ocorre o paradoxo de que dois seres sejam um e, contudo, permanecem dois.
Nos evangelhos Jesus se compadece de todos aqueles que estão em necessidade. Não poucas vezes encontramos as expressões “encheu-se de compaixão”, “teve compaixão” (Mc 6,34; Mt 9,36; Lc7,13; Mt14,14; Mc1,41; Mt 20,34; Mc 8,2; Mt 15,32; Lc 10,33…). Esta compaixão brota das profundezas das entranhas de Jesus e se manifesta em atos concretos de misericórdia, como nos ilustra bem a parábola do bom samaritano, na qual nem o sacerdote e nem o levita foram capazes de tocar o ferido, mas o samaritano que olhou para o homem que havia sido espancado, e movido pela compaixão agiu socorrendo o sofredor (Lc 10,30-37).
As palavras compaixão e misericórdia frequentemente se confundem, já que ambas possuem um significado próximo. Quase sempre a misericórdia é uma consequência da compaixão, refletida no gesto concreto de uma ação. A compaixão é um passo antes da misericórdia, ou seja, só consegue ser misericordioso quem for compassivo, portanto, todo ato de misericórdia vem da compaixão. Todo misericordioso é compassivo, mas nem todo compassivo é misericordioso, pois há pessoas que se comovem ao ver o outro sofrendo, mas não dão o passo adiante: fazer-se solidário e fraterno frente ao sofrimento alheio.
Daí que, desenvolver a compaixão pressupõe o desenvolvimento de um olhar, de uma sensibilidade, um sentir profundo, tanto de si mesmo quanto do outro e esse outro pode ser uma pessoa, um animal, uma arvore, qualquer ser com vida. Esse sentir profundo é como uma conexão externa com o outro a partir do amor, compreensão, comunhão, cuidado, generosidade, gratidão, liberdade, perdão, preocupação, ternura…
O olhar compassivo será sempre um olhar amoroso e generoso, o requisito chave que aciona em nós a capacidade de agir no sentido de transformar para melhor a vida do outro, não nos detendo frente aos empecilhos, obstáculos, resistências de quem quer que seja.
Pe. Ademir Andrade de Sá | Presidente do Instituto Emaús