Cuidado: Potencializar ações que estimulem uma maior sensibilidade social de cuidado com a pessoa diante da indiferença em suas múltiplas manifestações.
Como os filósofos nos advertem, as palavras estão gravidas de significados existenciais. Precisamos, portanto, fazer “vir à luz” a riqueza nelas escondida. Segundo clássicos dicionários da filologia (origem das palavras), alguns estudiosos derivam cuidado do latim cura. Em sua forma mais antiga, cura em latim se escrevia coera e era usada num contexto de relações de amor e amizade. Expressava a atitude de cuidado, desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação.
Cuidado, portanto, inclui duas significações básicas intimamente ligadas entre si. A primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro. A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se sente envolvida e afetivamente ligada ao outro. Cuidar é mais que um ato. Não pode ficar reduzido a um momento de atenção, de zelo, de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, de responsabilização com o outro. A atitude é uma fonte, gera muitos atos que expressam a atitude de fundo. Quando dizemos, por exemplo: “nós cuidamos de nossa casa”, subentendemos múltiplos atos como: preocupamo-nos com as pessoas que nela habitam, dando-lhes atenção, garantindo-lhes as provisões e interessando-nos com o seu bem estar; cuidamos da aura boa que deve inundar cada cômodo, o quarto, a sala, a cozinha; zelamos pelo estado físico da casa, pelo terreno e pelo jardim; ocupamo-nos do gato, cachorro, pássaros e outros animais que vivem na casa.
Vivemos mergulhados ate o pescoço numa cultura que privilegia acima de tudo a racionalidade cientifico- tecnológica em todas as áreas e profissões. Contudo, por mais recursos tecnológicos, recursos das ciências, recursos que a medicina e a sociedade moderna dispõem, há algo nos seres humanos que não se encontra nas maquinas: o sentimento, a capacidade de emocionar-se, de envolver, de abraçar, de afetar e de sentir-se afetado. Um computador ou um robô não tem coração. Não tem condições de chorar sobre as desgraças dos outros e de rejubilar-se com a alegria de um amigo.
Só nós humanos podemos sentar-nos à mesa com um amigo frustrado, colocar-lhe a mão no ombro, tomar com ele um copo de cerveja e trazer-lhe consolação e esperança. Construímos o mundo a partir de laços afetivos. Esses laços tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor. Preocupamo-nos com elas. Tomamos tempo para dedicar-nos a elas. Sentimos responsabilizados por elas. A categoria cuidado recolhe todo esse modo de ser.
Como diz o pequeno príncipe: “com o coração (sentimento) se vê corretamente. O essencial é invisível aos olhos”. É o sentimento que torna pessoas, coisas e situações importantes para nós. Esse sentimento profundo se chama cuidado e nos faz capazes de dedicar-nos ao outro, de dispormo-nos a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida.
O cuidado encontra-se na natureza e na constituição do ser humano. Antecede a tudo o que o ser humano empreende, projeta e faz. O modo de exercê-lo revela de maneira concreta quem e como é o ser humano. Sem o cuidado ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado, desde o momento em que é concebido, ainda no útero, até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se ao longo de sua vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabara por prejudicar a si mesmo e por destruir o que estiver à sua volta. Por isso, o cuidado deve ser entendido e reconhecido na linha da essência humana, um modo de ser essencial.
Nesse sentido, não se trata de pensar e falar sobre o cuidado como algo independente de nós, fora de nós. Mas de pensar e falar do cuidado como é vivido e se estrutura em nós mesmos. Não temos cuidado, somos cuidado!
O ser humano é um “ser no mundo com os outros”, não apenas no sentido geográfico, como estar na natureza, junto com as plantas, animais e outros seres humanos. É algo muito mais abrangente e profundo. Significa uma forma de existir e de coexistir, de conviver; de estar presente, de relacionar-se com todas as coisas do mundo. Nessa coexistência e convivência, nesse jogo de relações o ser humano vai construindo seu próprio ser, sua autoconsciência e sua própria identidade.
O que se opõe ao cuidado é o descuido, o descaso, o abandono. Em nossa sociedade não é difícil identificarmos tantas formas de descuido, de descaso pelo destino dos pobres e excluídos, pela sorte dos desempregados e aposentados, pela saúde, pela segurança, pela educação, pela família e tantos outros valores que sempre nortearam a vida do ser humano. Quando a insensibilidade, a indiferença, o cinismo, a apatia prevalecem é a morte do cuidado. Por isso importa darmos centralidade e colocarmos cuidado em tudo. Ele deve perpassar todas as nossas iniciativas e ter suas ressonâncias em todas as nossas atividades nas formas de ternura, compaixão, cordialidade, hospitalidade, cortesia, gentileza…
Pe. Ademir Andrade de Sá
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Á luz do texto acima como vocês avaliam o exercício do cuidado no cotidiano da unidade em que vocês estão? O que fazer para incrementá-lo ainda mais?